Ela não é tão conservadora assim: sobre mulheres, investimentos e risco
“Mulheres investem de forma conservadora”.
Com certeza você já ouviu essa afirmação alguma vez na vida.
Não diria que é exatamente um preconceito. A realidade aqui na Magnetis confirma tal afirmação:
Mas quem veio primeiro? O interesse dos homens pelas ações ou a falsa ideia de que mulheres não toleram risco?
Estereótipos são perigosos. Quando têm a ver com investimentos, atrapalham objetivos de uma vida inteira:
“O maior risco que as clientes correm é o de serem estereotipadas em classes de ativos erradas por causa de preconceitos errados. Dinheiro em conta não rende. Se a mulher não investe, não será capaz de atingir seus objetivos de longo prazo. É tão sério quanto isso.”
Quem me disse isso foi a Barbara Stewart, canadense que é uma das principais palestrantes e pesquisadoras sobre mulheres e finanças do mundo. Depois de 20 anos trabalhando com gestão de portfólios, ela começou a pesquisar o tema. A vontade surgiu quando ela percebeu, na crise de 2009, que a mídia descrevia investidoras de forma depreciativa: fracas, desinformadas, sem confiança.
Há oito anos, Barbara lança, sempre no Dia Internacional da Mulher, uma nova edição do seu estudo Rich Thinking (pensamento rico, tradução minha). Na edição que foi publicada em 2018 (Smart women and risk-taking), o tema foi mulheres e risco.
Das mais de 600 mulheres que a Barbara já entrevistou, eu tive a alegria de ser uma delas. 😛 A gente não se conhecia pessoalmente. Trocamos alguns e-mails em 2016, quando eu estava nos Estados Unidos para um curso. Daí, quando ela veio para SP, lembrou de mim.
Tomamos um café e falamos sobre tudo menos investimentos.
Sim! Imagina, eu achei que ela ia perguntar qual era a composição da minha carteira!
Mas ela queria uma visão mais ampla sobre minha relação com risco. “Qual é maior risco que você já tomou na vida?”. Sua análise é qualitativa. E é isso que ela prega que os consultores de investimentos, assessores financeiros & cia busquem entender sobre suas clientes quando o assunto é risco.
Afinal, responder a pergunta “você é conservador(a) ou moderado(a)?” é uma forma muito fria de medir tolerância a risco.
Segundo Barbara, os estereótipos atrapalham as próprias mulheres na hora de falarem sobre sua relação com risco e investimentos. Do outro lado, restringem a oferta de investimentos ao público feminino.
“Ao longo da minha carreira, eu percebi que mesmo que uma mulher seja excelente na administração dos seus investimentos, ela frequentemente se deprecia e diz que ‘deveria saber mais’.”
Nossos dados, infelizmente, reforçam essa afirmação:
Na #semanadamulher, foi a minha vez de entrevistar a Barbara. 🙂 Os principais destaques eu selecionei aqui para compartilhar com vocês. Espero que a discussão sobre mulheres e risco ganhe cada vez mais corpo!
Mariana – Por que escolher o tema de pesquisa mulheres e risco?
Barbara – Estou cansada de ouvir a velha máxima de que “mulheres têm aversão ao risco”. Essa é uma ideia preguiçosa, baseada em estereótipos arcaicos. Nós precisamos mudar isso. Precisamos de uma percepção mais atual sobre mulheres e risco. Na minha opinião, a forma mais correta de descobrir o que está acontecendo no mundo real de hoje é ouvindo mulheres sobre suas decisões reais de investimento. É por isso que eu faço pesquisas qualitativas: uma hora de discussão intensa. Eu já fiz mais de 600 entrevistas nos últimos oito anos.
Eu acredito que é responsabilidade da indústria financeira entender as complexidades em torno do tema mulheres e risco. Meu estudo justamente detalha esse tópico.
Sobre a sua metodologia: por que escolher fazer perguntas sobre vida profissional e pessoal, em vez de questionar sobre dinheiro e finanças diretamente? Não seria mais fácil perguntar “você é conservadora ou moderada”?
Inicialmente eu pensei que iria perguntar somente sobre qual foi o maior risco financeiro que já correram. Mas daí me ocorreu que assim eu iria basicamente cair no estereótipo de que mulheres não investem no mercado de ações. Em outras palavras: as mulheres podem não pensar tanto sobre tolerância ao risco, mas elas foram condicionadas a não pensar muito sobre isso! Ao longo da minha carreira eu percebi que mesmo se uma mulher é excelente na administração dos seus investimentos, ela frequentemente se deprecia e diz que “deveria saber mais”.
Você poderia contar algum exemplo?
Eu trabalhava em um banco. Nós tínhamos um questionário de risco. Ele era essencialmente simplificado com o objetivo de tentar captar qual seria a porcentagem de ações na sua carteira. Era a única medida de risco que nós tínhamos. A maior parte das mulheres era aconselhada a escolher as respostas “conservadora” ou “moderada”. O padrão dizia que as mulheres eram conservadoras, medrosas, pequenas florezinhas nesse grande e complicado mundo dos investimentos. “Deixe o dinheiro na conta-corrente mesmo, talvez um pouco de renda fixa, mas ações? Não, isso é para homens”.
É por isso que eu decidi mudar a conversa com as mulheres para algo bem maior! A conversa entre consultor e cliente precisa incluir uma discussão muito mais ampla sobre risco, uma em que não haja vergonha de se falar sobre experiências reais de vida, financeira e não-financeiras. Que tipos de riscos essas pessoas já tomaram na vida?
É muito mais arriscado quando objetivos de longo prazo não são arriscados. Para acessar investimentos de risco da forma correta, os investidores precisam olhar para seu portfólio como um todo. Não é diferente com os riscos pessoais. Para tomar riscos pessoais, clientes e consultores precisam considerar a vida pessoal como um todo. E pensar: quais são as implicações para a sua vida e bem-estar se você tomar aquele risco?
A pergunta principal do seu estudo foi “qual foi o maior risco que você já tomou na vida”. Quais foram as respostas mais comuns?
Ouvi diferentes “grandes riscos”. A resposta é diferente de mulher para mulher, pois risco é um conceito relativo. Há mulheres que falam confortavelmente em público, enquanto outras preferem fazer qualquer outra coisa. Algumas mulheres tomam risco em investimento ao apostarem em uma única ação ou comprando um apartamento no calor do momento. Outras perseguem uma grande ideia como escrever um livro ou começar um negócio novo. Outras arriscam tomando decisões não-convencionais sobre carreira e vida. Algumas mulheres procuram aventura ao mudar de país sozinhas. Outras arriscam ao lutar contra injustiças ou dizendo “não” para seus maiores clientes. E também há mulheres que escolhem profissões de alto risco, como bombeira, controladora de tráfego aéreo, cientista de tubarões, espiã ou dublê!
O que aprendemos com isso?
O quanto mais nós pudermos discutir sobre tomada de risco (incluindo não-financeira), mais vamos melhorar nosso entendimento sobre a pessoa e melhor será a consultoria de investimentos.
E quais foram os principais achados do estudo?
Tolerância ao risco não tem relação com gênero. A tolerância ao risco é o resultado de uma complexa combinação de vários fatores para a mulher. Até o humor interfere. E tudo isso varia com o passar do tempo. Algo que não parecia arriscado há 15 anos pode ser muito arriscado atualmente, e vice-versa. Experiências anteriores irão moldar a confiança com que as mulheres irão tomar risco no futuro. A relação com risco está baseada em experiências de vida, educação, tipo de personalidade, contexto e ambiente. Além disso, um comportamento passado sobre risco provavelmente não será uma boa medida preditiva do comportamento sobre risco no futuro.
Outro ponto: mulheres têm processos diferentes para lidar com risco. E como elas lidam com risco na vida no mostra muito sobre como ela lidariam com riscos no mercado financeiro.
Fiz alguns agrupamentos: o que chamei de “planejadas” são as mulheres que têm uma estratégia bem definida. Elas plantam semente de todo tipo; contratam um coach; guardam dinheiro; começam um projeto paralelo.
Já as “saltadoras” seguem seus instintos. Elas veem uma montanha-russa interessante e simplesmente sabem que tudo vai ficar bem.
Considerando todos os seus estudos desde 2011, quais são os preconceitos e estereótipos mais comuns sobre mulheres e finanças?
Todos nós já ouvimos que mulheres não entendem de finanças, não são interessadas em investimentos e não têm confiança para investir, ou que preferem delegar as decisões financeiras para os homens em sua vida. Apesar de todos esses, eu acredito que o estereótipo de que mulheres têm “aversão ao risco” continua a ser o mais perigoso para a sociedade.
Por qual motivo?
Porque eu acredito que parte dessa história de que mulheres “não tomam risco” esconde a ideia de que as mulheres são tímidas, covardes, florezinhas frágeis. Mas isso não é verdade. A ideia de que mulheres são avessas a risco rebaixa as mulheres.
Essa linguagem depreciativa que envolve todos esses estereótipos foi uma ferramenta para a sociedade patriarcal. E a indústria financeira foi na mesma onda. Mas… na realidade isso parou de funcionar há alguns anos. Agora que a maior parte dos clientes são mulheres, a indústria não pode se dar ao luxo de continuar igual. Felizmente isso começou a mudar. A indústria financeira está agora bastante interessada em entender seu público-alvo número 1!
Como lutar contra esses estereótipos? Quais são os benefícios para a sociedade?
De fato, o maior risco que as clientes correm é o de serem estereotipadas em classes de ativos erradas por causa desses preconceitos. Perpetuar falsos estereótipos é perigoso. Se uma mulher tem um consultor financeiro que confia em julgamentos falhos sobre mulheres e risco, aquele consultor vai terminar guiando a mulher para um futuro financeiro ruim. Dinheiro em conta-corrente não rende. Se a mulher não investe, não será capaz de atingir seus objetivos de longo prazo. É tão sério quanto isso.
Então, o que podemos fazer sobre isso? Pelo menos três coisas, e isso será muito benéfico para a sociedade.
Primeiro, precisamos falar mais sobre risco.
Conversem mais, em grupos grandes e pequenos, em papos um a um. As mulheres precisam ser incentivadas a tomar mais risco. Elas já tomaram essa decisão, internamente. As mulheres querem uma assessoria específica sobre quais investimentos estão disponíveis para elas. Elas querem uma lista de empresas que correspondem aos seus planos de investimento. Eu recomendo que os serviços financeiros e instituições educacionais convidem mulheres (e homens) de todas as idades a discutirem suas oportunidades, riscos e investimentos.
Dois: foque em competência financeira, não em confiança.
Um exemplo de como as pessoas acreditam que mulheres são avessas a risco e homens são mais confiantes: se você pergunta em um grupo de homens e mulheres algo sobre alguma coisa complicada, os homens são muito mais propensos a dizer que sabem a resposta, enquanto as mulheres mais comumente dirão que não o sabem.
Homens são mais super confiantes em si do que as mulheres. Mas o que importa, no fim das contas, não é o que homens e mulheres dizem sobre si mesmo, é se eles são ou não competentes sobre suas finanças.
Por fim, encoraje mulheres a compartilhar suas histórias financeiras de sucesso.
Muitas mulheres foram ensinadas a não falar sobre dinheiro, especialmente não contar vantagem sobre quanto dinheiro estão ganhando. A boa notícia é que a maioria das mulheres lida bem com a chance de trocar ideias online, é especialmente bom se for alguém muito tímida para falar de investimentos presencialmente. O social trading (serviços em que investidores compartilham suas estratégias) permite que uma pessoa que normalmente nunca falaria na vida real sobre investimentos possa construir sua confiança – ao ponto de depois começar a contar vantagem também. Toda mulher deve ter sua própria conta em uma corretora. Comece pequeno. Mas use dinheiro de verdade.
E você? Como pode ajudar a sociedade a mudar os estereótipos sobre mulheres e investimentos? Quero ouvir seu comentário! 🙂
Mariana Congo é Gerente de Comunicação da Magnetis e jornalista especializada em finanças pessoais.
Entrevista originalmente publicada em 2018. Texto atualizado com dados de 2019.